quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Phantom Thread (2017)


É difícil encaminhar a carreira de Paul Thomas Anderson numa direcção lógica de aperfeiçoamento. Apesar de uma crítica sempre positiva ao longo da sua obra, a provocação de um pretensiosismo questionável de Magnolia (1999), por exemplo, dificilmente faria adivinhar que o realizador assinaria, 8 anos mais tarde, o embrutecido híbrido histórico-documental ficcionado de uma América rural do Séc. XIX, que é There Will Be Blood, e que se mantém até hoje um dos mais interessantes filmes deste novo século. Em 2018, com Phantom Thread, Paul Thomas Anderson parece ter atingido o ponto de rebuçado, de equilíbrio perfeito aliado a uma visão cinicamente eficaz e indestrutível, tal é a lógica do que observamos em tela, sobre essa tão díspar arte que é o cinema. Poder-se-ia elogiar, em primeira mão, mais uma soberba interpretação e personagem de Daniel Day-Lewis, mas Vicky Krieps, actriz semi-anónima que nunca saiu dos papéis secundários ou tv movies, rivaliza com o veterano (e agora reformado) actor olhos nos olhos, quase como uma metáfora à relação das personagens que interpretam: Reynolds Woodcock e Alma, apenas Alma, assim, sem apelido, anónima. A personagem de Alma, que dá alma ao criador, de alta costura está claro, torna-se sua musa, como se torna Vicky Krieps numa musa para Anderson, descoberta para o grande cinema quando pouco o fazia prever. Woodcock de Day-Lewis é caracterizado como uma espécie de Deus do mundo da alta-costura, reconhecido onde quer que vá, enclausurado na sua casa de trabalho, de onde raramente sai, rodeado por mulheres trabalhadoras, modelos e costureiras, de dedo picado pelos milhares de agulhas que já passaram por aquelas mãos. Alma está lá para tentar trazê-lo de volta à terra, num filme hermético, fechado em si mesmo, no seu pequeno mundo de características únicas que parece impenetrável a influências exteriores, arquitectado por Anderson. Poder-se-ia dizer, coincidentemente, que Phantom Thread é uma espécie de Mother! (Darren Aronofsky, 2017) versão precisa e educada, sem as contradições deste último. É este pequeno mundo que, pela sua estética e técnica, se abstrai de um argumento que, apesar de semiótico, é simples. A verdadeira estrela de Phantom Thread não é o seu preciso argumento ou as suas muito inspiradas interpretações (à dos dois protagonistas junta-se uma terceira, Lesley Manville, enquanto irmã de Woodcock), mas antes toda a sua componente técnica. Poder-se-ia falar daquelas que são provavelmente as maiores influências espelhadas na tela por Anderson, como a dicotomia musa/estilista de Beau Brummel (1924, Harry Beaumont), a dinâmica de casal de Rebecca (1940, Alfred Hitchcock), ou a festa de ano novo e a viagem aos Alpes suíços de The Passionate Friends (1949, David Lean). Apesar das influências, Anderson liberta-se na criação e constrói uma identidade própria para Phantom Thread, uma identidade fantasmática visceral, obscura, sufocada, fechada, mas sempre perfeitamente equilibrada, na qual se acompanha o movimento de câmara ao longo das divisões do seu hermético "castelo", das interacções das suas personagens, dos seus ruídos, dos seus objectos. Há em cada plano de Phantom Thread uma delicadeza de composição imagética perfeita, proporcional, como se não pudesse ser de outra forma, como se uma gota a menos arruinasse a perfeição, como se tudo tivera nascido assim, na natureza, com uma lógica que até se poderia apelidar de Fibonacci. A banda sonora de Jonny Greenwood é o adorno perfeito, impondo a sua presença como se de uma personagem se tratasse, sobretudo ao piano, guiando o diálogo, o movimento, o olhar e a tensão que pauta todo o filme. A sensação que fica depois de ver Phantom Thread é a mesma que ficou, por exemplo, com Cavalo Dinheiro de Pedro Costa: nunca havia sido feito um filme assim. O facto de um realizador como Paul Thomas Anderson ter atingido este ponto de plena harmonia imagética e sensorial faz questionar que portas ainda restarão por abrir numa arte com cerca de 125 anos que é o cinema. Phantom Thread não é um murro no estômago no ponto de vista emocional, mas é mais um ponto de viragem na forma de interpretar e visualizar a sétima arte. É, apenas, uma obra-prima.

Porque é bom: Uma lógica e estética perfeitas que criam novas regras no jogo do cinema; duas interpretações imaculadas, tensas, viscerais; realização tecnicamente perfeita, composição de planos ríquissima; banda sonora autonomizável enquanto personagem, o adorno ideal.

Porque é mau: Apesar de objectivamente perfeito, não dá o soco emocional normalmente associado a filmes 5 estrelas

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