terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Three Billboards Outside Ebbing, Missouri (2017)


Numa vila do Missouri que dá nome ao título, uma mãe decide agir perante a incapacidade da polícia local em encontrar o assassino e violador da sua filha, alugando três enormes cartazes à entrada do povoamento nos quais pede explicações, agitando a comunidade local. O filme de "denúncia social" que se adivinha pela sinopse está longe de ser apenas isso. Em 2008, quando realizou o filme que se tornou de culto In Bruges, Martin McDonagh viria a assinar desde logo a tónica do seu cinema, que passando por Seven Psychopaths até este Three Billboards se pode carimbar como trilogia, não fosse essa uma tendência em sentido estrito tanto do cinema comercial, com Star Wars ou Batman à cabeça, como de algum cinema mais outsider, como aquele que nos ofereceu o sul coreano Park Chan-Wook com a sua trilogia de vingança, no sentido temático. A trilogia de McDonagh é a da comédia negra, dramática, que não se deve confundir com sádica. Os temas pesados e sérios de McDonagh não são comédia para rir gratuitamente sem dar algo em troca, nem o é o seu cinema que antes escolhe encarar olhos nos olhos e de forma descomplexada temáticas tantas vezes sacudidas para debaixo do tapete por opções de tratamento que acabam sempre por afunilar no modelo cinematográfico do politicamente correcto, em veículo de denúncia, como recentemente fizeram os vencedores dos Óscares de melhor filme Spotlight e Moonlight. De forma alguma se retira o mérito a essas duas maravilhosas películas, mas Three Billboards Outside Ebbing, Missouri demonstra empiricamente ser possível em cinema que o tratamento de temáticas sociais mais sérias, e consequentemente tabu, numa América mais dividida do que nunca, siga uma outra linguagem fílmica que não apenas a da dramatização da denúncia com vista a um paternalista despertar de mentes. É aqui que entra a comédia negra em estado de graça de McDonagh, nesta que é a mais evoluída das suas três longas metragens. Frances McDormand, musa da ruralidade norte-americana imortalizada em Fargo dos irmãos Coen, encabeça o elenco de veteranos actores a quem é entregue a nobre tarefa de se excederem na sua interpretação, com papéis que dificilmente conseguimos imaginar na pele de outros, tal é o cunho pessoal que tanto a protagonista como Sam Rockwell, Woody Harrelson, entre os demais secundários, emprestam à respectiva personagem.


Curiosa e corajosa a zona cinzenta dentro da qual o realizador e argumentista move a moralidade das suas personagens, estereotipadas numa primeira fase de caracterização, e que se vêm a desenvolver para além do arco expectável, hiperbolizando (como faz com quase tudo) essa primeira regra do bom cinema: o desenvolvimento de personagem. Se numa primeira fase a Mildred Hayes de Frances McDormand é um símbolo de determinação feminina, numa segunda fase é todas as causas e consequências dessa determinação. E o que dizer de Sam Rockwell, o também hiperbolizado e estereotipado polícia bronco, campónio e racista, que parece preencher todos os pré-requisitos da personagem semi-figurante de um drama maior, mas que acaba por ser ele o protagonista da sua história, num brilhante desenvolvimento argumentativo e interpretativo que eficazmente arrisca muito mais do que bastaria para ser satisfatório. Todas as personagens têm algo a dizer ou fazer, como entidades vivas que se movem na tela, ao invés de meras descrições ou caracterizações de algo que se pretende que sejam. Sabe bem ver esse realismo, que coexiste com a simplicidade do meio social que está a representar, resistindo sempre ao moralismo fácil. Three Billboards Outside Ebbing, Missouri tem a virtude de coexistir sem intervenção (ou preocupação para agradar massas) com a realidade do preconceito que está a filmar, com a injustiça da justiça, com a lógica de um ecossistema que é precisamente aquilo que é representado, tal como é a lógica moral das suas personagens. Aqui não há heróis ou vilões. McDonagh filma pontos de vista. Os dois lados da moeda. Com a riqueza do seu argumento e diálogo aliada à identidade da realização per se, Three Billboards não é um tratado de filosofia, mas é uma das representações de pensamento em cinema mais assertivas, descomplexadas, realistas e relacionáveis que nos agraciaram nos anos recentes. Curioso que isso seja precisamente o que o torna tão original.

Porque é bom: A forma descomplexada como aborda temas dramáticos tabu de grande seriedade; argumento rico, com diálogos irresistíveis; interpretações inexcedíveis e pessoais de Frances McDormand e Sam Rockwell; a coragem de se mover dentro da zona cinzenta de uma moralidade onde ninguém é 100% herói ou vilão; desenvolvimento de personagens que quebra brilhantemente as barreiras do expectável 

Porque é mau: A zona cinzenta da moralidade representada no écrã pode afastar o espectador moralmente mais determinado

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