segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Dunkirk (2017)


Não podemos restringir Dunkirk ao seu thriller imagético sensacionista muitíssimo eficaz, sem tentar antes desfiá-lo para procurar perceber, se possível, que história é afinal esta que está a ser contada no écrã, caso exista. Não estamos a falar em termos históricos, contexto 2ª Guerra, mas sim em termos de argumento e personagens no cinema, diálogo, ou falta dele. Por muito tradicionais que sejam não há nada de errado quando um filme abdica destes elementos, sendo que a sétima arte cada vez mais se solta das regras formais que compõe o filme e que foram sedimentadas ao longo de mais de cem anos. Numa era de aquecimento global em que a maior parte do cinema produzido mundialmente é reciclado, a quebra de barreiras formais é, entre outras, uma forma audaz de fazer cinema e que, em muitos casos, acaba por ser o catalisador que separará as obras-primas dos filmes muito bons, que torna um filme tão único que será difícil de o qualificar. Parece que Christopher Nolan há muito que pretendeu deixar de fazer cinema segundo as regras convencionais, mantendo apenas alguma linguagem blockbuster numa procura constante de tensão (o que só por si já é algo contraditório), naquilo que se traduz, filme após filme, na apresentação de filmes-conceito, e não de filmes-filmes. Com Batman criou-se uma nova abordagem ao super-herói, com Memento uma nova forma de contar a narrativa, com Interstellar uma nova forma de representar ciência espacial, com Dunkirk uma nova forma de abordar o cinema de guerra, todas elas originais e entusiasmantes, todas elas apaixonantes. Nolan sempre gostou de criar tensão no espectador, será esse o principal adjectivo enquanto se assiste a Dunkirk, aliando-se à imagem e, principalmente, ao som para mexer com o espectador, intrometer-se no seu espaço na cadeira do cinema e puxando-o, quer queira quer não, para as emoções da tela. Neste seu novo filme Nolan aposta quase exclusivamente nestas duas vertente, deixando quase totalmente para trás outras, com uma fotografia e trabalho de camera soberbos e uma banda sonora de suster a respiração e manter ao longo de 1h46m um ritmo cardíaco que, nos nossos poucos conhecimentos médicos, nos parece muito pouco saudável. Constrói-se assim em Dunkirk uma experiência sensorial talvez sem igual no cinema sim, mas num registo dramático impessoal e abstracto que em momento algum concretiza empatia entre personagens e espectadores, e isso é uma enorme contradição. Além da imagem e do som de que forma pode Nolan construir um drama de guerra se não nos é dada uma ponta de desenvolvimento de personagem, algo mais que o estereótipo, algo mais que pequenos clímaxes ao longo de um filme que é um clímax gigante em si mesmo e que vão pouco além do diálogo e moral da história ranhoso que acompanhamos no barquito que protagoniza um dos 3 pontos de vista presentes em Dunkirk? Quando sai do seu registo de acção frenética impessoal e abstracta, Dunkirk foca-se em Kenneth Branagh, o homem que olha ao longe e se espanta, em Mark Rylance, um dos exemplos civis de coragem que procurou dar o seu contributo, no soldado que procura salvar a pele na praia, enfim, ao procurar dar personagens concretas ao filme, Nolan não tem outra escolha dentro do conceito de filme que ele próprio criou senão pintar estereótipos representativos das milhares de pessoas que protagonizaram aquele momento histórico. No fundo, podiam ser estas personagens como podiam ser outras quaisquer, e isso pode ser visto de forma positiva ou negativa, enquanto representação da frieza da guerra. Apenas se borra um pouco a pintura quando se foge dessa frieza e não se resiste a dar algum melodrama final que pura e simplesmente não tem espaço para existir neste filme. Dunkirk é uma brilhante viagem para os sentidos, mas será que realmente nos importamos com o destino das abstractas personagens que observamos durante quase duas horas?

Porque é bom: Fotografia e trabalho de camera soberbos; o relato hiper-realista de uma experiência de guerra com poucos adornos que é simultaneamente uma nova forma de fazer cinema de guerra, com todo o mérito e valor que é devido à pouca originalidade que ainda resta no cinema de 2017

Porque é mau: O argumento meramente descritivo através de imagens, impessoal e com personagens-tipo abstractas inibe o espectador de criar empatia com elas, tornando o filme numa experiência demasiado fria, talvez intencionalmente, o que pode igualmente ser interpretado pela positiva, mas que acaba por não deixar uma marca forte o suficiente para corresponder ao peso dos eventos a que assistimos no écrã; banda sonora exageradamente tensa e ansiosa que rouba o protagonismo da acção

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